sábado, 15 de fevereiro de 2014

SARTRE: Angústia e Liberdade.

Jean-Paul Sartre
A filosofia de Sartre é profundamente marcada pela visão fenomenológica. O ser sartriano se desdobra em duas dimensões: o ser-em-si e o ser-para-si. O ser-em-si, o fenômeno, opaco para si mesmo, simplesmente é. E se caracteriza como uma realidade marcada pelo absurdo, pelo fechamento sobre si mesmo. Enquanto o ser do fenômeno, o ser-para-si, é posto pela consciência, definido “como sendo aquilo que não é e não sendo aquilo que ele é”.

Para Sartre, a consciência é uma fissura dentro do ser: por ela irrompe o nada no mundo. Através dessa fissura o ser-para-si pode ultrapassar suas barreiras, caracterizando-se como possibilidade de transcendência do limite, como espontaneidade criadora. As duas dimensões do ser convivem no tempo e constituem a existência humana.

A perspectiva de Sartre é materialista, portanto a consciência, por seu caráter intencional, de relação com o mundo, se identifica com o corpo. Devido à sua conotação corporal, o ser-para-si se caracteriza como ação e, portanto como liberdade. O que caracteriza o ser-para-si é a capacidade de fazer-se. O homem não é “aquilo que é”, ele se faz.

A responsabilidade passa a ser, portanto, um ponto fundamental na filosofia de Sartre. Cada um é aquilo que se faz e não pode atribuir esta responsabilidade a Deus ou a uma natureza que o transcende e o precede. É neste sentido que a existência antecede a essência. “O homem (...) não é passível de uma definição, porque, de início, não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo”.

Existe uma “escolha original”, espontânea, no homem que antecede o próprio “querer”. Por não existir uma essência pré-determinada, os valores são uma criação unicamente humana e não algo em que o homem possa apoiar-se para justificar suas escolhas. Isto não quer dizer que o existencialismo tenha uma visão amoral da existência, pois escolher é afirmar o valor do que estamos escolhendo e “nada pode ser bom para nós, sem o ser para todos”.

Portanto, ao moldarmos nossa imagem, “nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, pois ela engaja a humanidade toda”, ao escolher-me, estou escolhendo o homem. Para Sartre, o que dá sentido à existência humana é o compromisso com a história.

Como se insere, neste cenário, o problema da angústia?

O homem, ao realizar suas escolhas, percebe que não é apenas o que escolheu ser, mas que é também um legislador; ele se depara com sua “total e profunda responsabilidade”. É esta percepção que faz da angústia uma condição inerente ao ser humano.

A escolha pessoal adquire de fato uma dimensão transcendente, que remete a uma situação parecida à que descreve Kierkegaard ao falar da angústia de Abraão. “Tudo se passa como se a humanidade estivesse de olhos fixos em cada homem e se regrasse por suas ações”.

A angústia, no entanto, não impede de agir, ao contrário, é a própria angústia que constitui a condição da ação, pois ela pressupõe uma pluralidade de escolhas possíveis. O caminho escolhido, no entanto, não tem em si nenhum valor, a não ser aquele de ter sido escolhido.

Ao fazer uma escolha, o homem introduz no mundo uma das tantas existências possíveis e nela engaja os outros homens. Diante disso, o homem experimenta a sua radical liberdade.

Para Sartre Deus não existe, portanto tudo é permitido: “o homem está desamparado porque não encontra nele próprio nem fora dele nada a que se agarrar (...) não encontra desculpas”. Não existindo referência a uma natureza humana dada e definitiva, o homem é livre, ele é liberdade radical: “o homem está condenado a ser livre”.

Escolher é sempre morrer, porque ao escolher uma das existências possíveis, estou ao mesmo tempo morrendo para todas as outras. Isto introduz uma situação de desamparo, pois somos nós mesmos que escolhemos o nosso ser. Nisto está, para Sartre, o sentido de nossa vida. “(...) O homem está constantemente fora de si mesmo; e é projetando-se fora de si que ele afirma sua existência”.

Quanto ao outro, o exercício maior de nossa responsabilidade é compreender que o importante não é o que os outros fazem de nós; mas, sim, o que fazemos do que os outros fazem de nós.


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