sábado, 8 de janeiro de 2011

SOBRE A VERDADE E AS FORMAS JURÍDICAS DE MICHEL FOUCAULT

 
CONFERÊNCIA II: A Mitologia Grega e os procedimentos de produção das verdades Jurídicas

Na segunda conferência do livro A Verdade e as Formas jurídicas, Michel Foucault toma como ponto inicial relevante de discussão a tragédia grega de Édipo-Rei, para através desta peça teatral de Sófocles investigar os procedimentos primitivos de produção e estabelecimento das formas jurídicas de proclamação das verdades.

A história de Édipo, filho do Rei Laio e Jocasta e, entregue por esta a um escravo a fim de não vê realizada a profecia dos oráculos de que seria o Rei assassinado por seu próprio filho, se desenvolve como método de investigação e consolidação da verdade que é estabelecida como profecia do poder divino, segundo o Autor, e, sendo irrefutável pelos homens, todo o esforço destes para escapar a sua veracidade termina por confirmá-la, porque qualquer tentativa de negar esta verdade é contraditada e derrotada pela memória dos homens e pelas previsões-predições infalíveis dos deuses.

Michel Foucault afirma que na tragédia de Édipo se desenrola um procedimento de busca da verdade que consiste na junção de metades, ou seja, através de fragmentos de verdades ora confessadas  pelos personagens implicados na conspurcação e assassinato, ora pelas revelações dos deuses  por meio do oráculo. E que , contrariamente, ao ocorrido no episódio da disputa jurídica entre Menelau e Antíloco, onde a verdade fora produzida- ou pelo menos deduzida- da negativa de Antíloco em prestar juramento perante Zeus, em Édipo-Rei são trazidos a prestarem seus testemunhos dois escravos que presenciaram os acontecimentos passados que deram origem a toda trama e, por isso, estão aptos a proferirem, se não a verdade, pelo menos fragmentos importantes dela consolidando, assim, a forma preponderante no Ocidente, ainda aceita hoje, de produção e estabelecimento da verdade jurídica fundamentada no triângulo: fato, réu, testemunha.

Para Foucault, no entanto, importa aqui compreender como ao longo da história das sociedades, das antigas às modernas, foram sendo construídos procedimentos cujo fim sempre fora a produção das verdades dentro de um jogo de relações de poder. E como essas práticas foram transformadas em meio de perquirição judiciária da verdade. Pois, segundo afirma, as práticas judiciárias têm servido historicamente de formas pelas quais as sociedades criam e definem tipos ideais de subjetividades, estabelecem formas efetivas de saber destinadas ao controle e prescrição das relações do homem e a verdade.

Pretende, por fim, o Autor ao analisar a tragédia do Rei Édipo, que se atente não só para os novos procedimentos de produção da verdade judiciária, mas para uma nova verdade que a partir daí surge. Essa verdade agora produzida não mais apenas pela profecia, necessita da consonância de homens que viram o acontecido, que testemunham a verdade presenciada, vivida por eles, atestando, por tanto, a veracidade das respostas proferidas pelos deuses, choca-se frontalmente com o poder estatuído e condena neste a tirania e o abandono do ideal de justiça, impossível senão pela prática de se dizer, independente das consequências, sempre a verdade proclamada pela divindade e legitimada pela memória humana.

Essa verdade, cuja enunciação é deslocada do discurso profético para outro de ordem retrospectiva pelo testemunho dos pastores em desfavor do Rei, mas ainda em correspondência com a divindade, no caso edipiano, simboliza a tentativa de nas relações de poder entre os homens se conter os desejos, tidos pelas estruturas judiciárias como nocivos à sociedade. Pois, Édipo é mostrado como o homem do excesso, que tem em demasia poder, saber, sexualidade, que afirmava ter vencido sozinho todos os desafios e, por isso, sentia-se acima do simbólico saber dos pastores e do que haviam dito os deuses.

Destarte, Foucault, em A Verdade e as Formas Jurídicas, faz uma reflexão sobre como as verdades foram produzidas através de inquéritos,exames, necessidade de provas testemunhais, deduções a partir de  juramentos em nome de deuses, e como essas verdades são utilizadas num jogo de relações de poder que perpassam pelas experiências quotidianas das ciências e, principalmente, das práticas judiciárias que tem como função a produção da verdade para controlar e punir os erros cometidos pelos homens em suas relações sociais.

Por:  Adão Lima de Souza

“AUCTORITAS NON VERITAS FACIT LEGEM”

 
 
O fundamento da afirmação de uma ordem jurídica pela reiteração de seu discurso de validade.

1.0.A CIÊNCIA JURÍDICA E SUA AUTOPRODUCÃO 

A Ciência Jurídica compreende a produção, regulação dos mecanismos de produção, interpretação e aplicação de normas jurídicas aos grupos sociais. O saber jurídico se apresenta, portanto, como um espaço de poder onde se produz a legitimidade desta autoprodução.E isso se dá por meios de construções linguísticas estruturadas em discursos que por sua reiteração pretende estabelecer o fundamento de afirmação de uma ordem jurídica. Nesse processo, realidades são arquitetadas para criar a percepção de que são as normas que são adequadas a as rotinas sociais e não que estas produzem, em certo grau, as rotinas, consagrando condutas como nocivas à sociedade e instituindo punições para restabelecimento da segurança jurídica e pacificação social.

1.1.O discurso como produtor de realidades.

Todo discurso jurídico é policiado, esquadrinhado, controlado porque é produzido a partir de premissas ideológicas que se afirmam como verdades pela reiteração de que são produtos da realidade. Sendo tal verdade aceita e partilhada por todos numa sociedade, cujos valores éticos norteadores das relações intersubjetivas se fundamentariam não na correlação de forças entre o Estado legislador e aqueles que devem observância aos comandos normativos; mas sim numa construção coletiva autônoma, intuitiva de conceitos e práticas morais pelos membros da comunidade.

Fazendo-se um paralelo entre o mundo criado pelo discurso no campo jurídico com o mundo simbólico criado por Franz Kafka em O Processo, é possível vemos similitudes que deixam antever o modo como as verdades são construídas a partir das definições tipológicas dos atos delituosos, as quais, não escapando sua conceituação dos limites da linguagem, comprovam a intenção da Jurisprudência, ao prever comportamentos e prescrever sanções,de modelar a realidade conforme os seus próprios ditames. 

“Certamente, alguém o caluniara”, diz Kafka –aqui se percebe a justificação lógica, também simbólica, do mundo que será criado para Joseph K. Resta-nos, portanto, indagar sobre o que Joseph K fora caluniado. Surge então outro traço do poder simbólico do Direito, a ideia de justiça. Em que consiste afinal esse crime indizível? Será que toda estrutura burocrática, inacessível, montada com intuito não declarado de nos escravizar, de sufocar em nós nossa individualidade, de forjar em cada indivíduo uma subjetividade padronizada, não torna todos condenados, como fazemos com as crianças deserdadas a quem negamos proteção, mas,no entanto, severamente as julgamos pelos delitos afrontadores da ordem traçada, antes mesmo de qualquer crime ter sido cometido, apenas porque são necessárias cotas de marginalizados.

No discurso jurídico, a pretensão de uma autoprodução normativa a partir das mesmas premissas é ocultada pela tentativa de atribuir a Jurisprudência graus de cientificidade que a colocaria num certo patamar de relevância epistemológica em que não seria possível contestá-la com fundamentos na lógica da causalidade que permeia as outras ciências, como as naturais, ou dos procedimentos valorativos que delimitam o alcance das investigações para produção de conhecimentos na seara das ciências sociais.

Deste modo, a Ciência do Direito se reveste de neutralidade ideológica, pois, ao aplicar sua técnica na decisão dos conflitos sociais, afasta pela Deontologia, lógica do Dever Ser, os constrangimentos a que estaria sujeito qualquer julgador ao lidar com as tensões advindas das interações dos indivíduos na rotina da sociedade. E assim, isenta de valorações políticas, econômicas, históricas, psicológicas e sociológicas, a Jurisprudência procura se eximir de sua responsabilidade de ser, segundo Bourdieu (1989, p. 210), “reflexo direto das relações de forças existentes, em que se exprimem as determinações econômicas e, em particular,os interesses dos dominantes”. Para tal, o discurso reiterado de segurança, pacificação social, de justiça e legalidade se apresenta como sendo as reais aspirações da pessoa humana, devendo por tanto o Estado, por ser o único dotado de legitimidade para se valer do uso da força coativa, assegurar a todos de forma que cada um receba o que lhe for de direito, e retribua na medida do seu dever.

Concernente a tudo isso, faz-se necessário difundir a certeza de que uma ordem jurídica nada mais é que a captação dos anseios da comunidade, e que, por tanto, as relações sociais produzem o Direito e não o contrário. E aqui é preciso um discurso que incorpore e produza simbolismos. Que se abebere na linguagem, uma vez que o campo jurídico detém o “monopólio de dizer o direito”, e, a exemplo da capacidade de produzir a si mesmo, possa por meio do discurso criar o mundo do outro. Destarte, garante sua legitimidade e acolhe as “verdades” no seu interior, e depois, as exterioriza, apesar de autoproduzidas no campo da Ciência Jurídica, como elemento da circularidade reflexiva da moral coletiva.

Pode-se, então, partindo do exposto, inventariar o mundo que a reiteração do fundamento de uma ordem jurídica quer transvalorá como mundo real. Pois, tomando como instrumentos a linguagem e a racionalidade deontológica, são construídas estruturas fictícias travestidas de reais onde se conceituam condutas, definem-se os direitos. E instituições reais, que através de procedimentos fictícios de inquérito das verdades, proferem vereditos para punir comportamentos perturbadores da ideologia dominante, que por meio de artifícios discursivos o legislador luta para ocultar.

Destarte, a produção legislativa ganha destaque ao estabelecer processos e procedimentos de feitura das normas que consagram a Ciência do Direito como campo de autoprodução jurídica.Mas, para se impor como legítima recorre a premissas que denunciam sua inclinação ideológica, já que busca sua fundamentação em argumentos lógicos arquitetados pela linguagem, tais como a Norma Hipotética Fundamental de Hans Kelsen, validada pelo corte epistemológico empreendido, negando a causalidade e opondo a ela a relação de imputação; ou, ainda, pela disseminação de que o julgador é apenas “a boca da lei”, pois o que faz não é senão dizer o direito. Afastando,por tanto, a hipótese de que o julgador não declara o direito, porque enquanto enunciado linguístico a norma nada diz, e, por isso, a tarefa dele  é antes de tudo interpretar esta norma. E, ao interpretar a norma ele não diz o direito; ele cria, a partir de suas próprias premissas ideológicas, o direito.

1.2.A interpretação do direito como autoprodução do campo jurídico.

Os discursos jurídicos comportam em si, pelo menos pretensamente, as preocupações que afetam diretamente os agrupamentos sociais, acomodando, com certa facilidade em suas construções argumentativas, ideais abstratos de JUSTIÇA. Consubstanciados na tríade mágica LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE, recorrentemente enaltecida pelos que detém o veredito sobre o que é verdade.Ou seja, o poder de determinar a quem se destina o direito e de influenciar quem o declara. 

A necessidade de segurança jurídica, alardeada pela Jurisprudência, traz intrínseca a promessa de socialidade pacífica, exigindo de todos, sob sua égide, resignada aceitação das estruturas fundamentadas pelos os ditames do ordenamento jurídico, também pretensamente isento de ideologias.

Consequentemente, conceituam e definem, segundo os valores predominantes, as chamadas práticas delituosas capazes de perturbar a paz social, e estabelecem rituais de vigilância e punição que possam silenciar as vozes discordantes, acusando-as de inobservância das normas prescritas. Normas estas, conforme o convencimento imposto, moldadas segundo as aspirações sociais. Assim, resguarda-se o Direito de maiores manifestações de inconformidade da sociedade e o faz repousar no seu “berço esplêndido” de equilíbrio social e justiça natural.

Deste modo, acima do bem e do mal, a norma é justificada negando a evidência insofismável de Hobbes ao sentenciar que “A autoridade, não a verdade, faz a lei”. Porque não paira sobre os ombros do julgador o ônus da punição, ou dos destinos, mas, apenas o manejar a espada com incisão e a balança com equidade. Por isso, o Direito é representado por uma deusa que mantém os olhos vendados, reforçando-se aqui o simbolismo do qual advêm parte de sua força. Doutro modo, como concretizar a justiça: “Dar a cada um o que é seu”?

Porém, o Direito como não é simplesmente declarado, como quer a Ciência Jurídica, mas interpretado porque não há uniformidade de casos concretos que requeiram apenas a subsunção. Ao interpretá-lo, o julgador deve indagar o que é de cada um. E, assim fazendo, partirá de sua própria experiência de vida, de sua ideia de pertencimento aos estratos sociais; e, por fim, julgará baseado no direito construído a partir de suas pré-concepções. Para fundamentá-las, buscará no saber jurídico a legitimidade necessária, preservando-se sempre a segurança do ordenamento jurídico. 

Desse modo, não se furtará a cumprir seu papel ideológico, ainda que inconsciente. Como bem dissera Warat (1982, p. 23) a cerca dos mitos perpetuados nas teorias que versam sobre os procedimentos de interpretação da lei: “O saber jurídico emana da necessidade de justificar a ordem jurídica, e não de explicá-la.”

Deste modo, entendido o Direito como ciência capaz de autoproduzir e regular a produção de seu objeto no seu próprio campo, a fundamentação de uma ordem jurídica encontra sua afirmação legitimadora na capacidade de convencimento à aceitação, por parte da sociedade, do discurso por ele produzido para difundir os valores de uma classe que faz as leis para delimitar os direitos de outra que é alijada dos mecanismos de produção desse discurso. 

Nessa autopoiese, o discurso jurídico, por circularidade e capilaridade, passa a ser reiteradamente empunhado por esta classe como tendo sido o fundamento de sua afirmação produzido, não pelo embate de forças contrárias, mas oriundo da construção natural dos valores sociais defendidos por todos na sociedade.

Ademais,o saber  produzido pela Jurisprudência não consegue eliminar os questionamentos exteriores ao seu campo, por maior que tenham sido os esforços nesse sentido empreendidos, desde Kelsen até os doutrinadores que se reconhecem como progressistas na atualidade. Porque os conflitos sociais não foram ainda resolvidos, nem pacificada a sociedade pelas pseudo-soluções dada pela Ciência do Direito aos transtornos que a realidade do próprio direito impõe, ao decidir de quem é a propriedade dos meios de produção da condição de existência dos indivíduos e o monopólio de produção do seu discurso de validade, como condições inalienáveis à segurança do ordenamento jurídico e à paz social.

Pois, para Bourdieu, os recursos linguísticos ao mesmo tempo em que afirmam o fundamento de uma ordem jurídica, pelo poder simbólico em que se compõem, fundamentando através de argumentos criados pela lógica deôntica, que concebe o Direito como relação de imputação, em contraposição à causa e efeito das outras ciências, cujas leis que regem seus fenômenos são criadas pela análise do objeto de estudo, sem que este objeto posa ser auto produzido em seu próprio campo como se dá com o Direito.E, contudo, permanece o questionamento sobre qual é o fundamento da afirmação de uma ordem jurídica sem uma resposta satisfatória por parte da Ciência Jurídica.

Por: Adão Lima de Souza

SOBRE FILME BIOGRÁFICO DE ÉMILE ZOLA

O filme sobre o escritor francês Émille Zola, ao retratar sua trajetória, desde situações de penúria financeira suportada na juventude, passando pelo momento em que alcança a reputação de grande expoente das letras francesas, tendo aí conseguido o sucesso que se quer seja o objetivo dos esforços empregados pelo indivíduo a fim de se tornar notável numa sociedade onde o “status quo” dita às regras do jogo sujo para se ser respeitado e aceito nesse tropel humano que dissimuladamente apelidamos de civilização. Enfocando, por fim, o instante em que a esposa de um militar injustamente condenado pelos seus pares o resgata da armadilha fatal do “bom burguês’ que desfruta os resultados merecidos do seu sagrado e árduo trabalho, empanturrando-se de boa comida ao tempo em que menospreza e insulta seus criados.
Mas, como o “homem digno sempre chega a sua dignidade”, Zola não poderia agir diferente. Então,num gesto de grandeza de espírito, abandona a segurança alcançada e parte atrás da que seria sua última e talvez mais importante batalha. Mostrando que a indignação é uma característica que deve ser conservada, pela resistência constante, lutando sempre para nunca nos acomodarmos diante duma injustiça perpetrada contra alguém cuja margem de defesa ante seus acusadores tende a ser, pela força destes, anulada.
Desse modo, a atitude de Zola torna patente o campo de luta em que o DIREITO pode se transformar. Pois, enfrenta uma corte judicial que, pela parcialidade com que conduz o julgamento, ceifando toda possibilidade de defesa, torna evidente a derrota do bravo lutador. No entanto, pelo o apego a verdade, a justiça, e sequioso de tornar melhor o mundo , como todo aquele que resiste a opressão e a exploração de uns pelos outros, demonstra a fé na luta pela verdade e espera que num raio qualquer de lucidez seus concidadãos, apesar de o está perseguindo agora, livrem-se da trama enredada e façam prevalecer, finalmente, a verdade.
E, quando já condenado e foragido, enfim, vê ruir a grande farsa armada por aqueles que juraram proteger a França e os cidadãos franceses das armadilhas e da mentira do inimigo. E, voltando triunfante à terra natal, pode, antes de morrer, vangloriar-se de ter legado ao seu país mais uma grande obra, que tal como as literárias ao calibre de Germinal, fora escrita com suor e sangue como tem sido a história dos homens em sociedade ao longo do tempo.

Por: Adão Lima de Souza

O BRASIL DE LIMA BARRETO

 

Impressões sobre o livro Recordações do Escrivão Isaías Caminha de Lima Barreto.
Pobres de tão pretos, pretos de tão pobres.
(Gilberto Gil e Caetano Veloso)

No livro Recordações do escrivão Isaías Caminha, Lima Barreto retrata o Brasil de seu tempo com riquezas de detalhes, num olhar crítico que denuncia as mazelas de um país que desde a sua “descoberta pelos Portugueses”, parece mergulhado num mar de lama e falcatruas, onde os poderosos são quem ditam as regras que regem a nossa incipiente República Tupiniquim.
Com perspicácia, o Autor desvela os estratagemas sórdidos com que a elite brasileira controla a Política, e através desta os meios democráticos, como a imprensa e a opinião pública, conduzindo a nação de acordo com os interesses mesquinhos capazes de, em detrimento de todos, cada vez mais, locupletar-se.
Pode-se perceber, com demasiada clareza, as similitudes daquele e do atual Brasil quando se pensa na condição do negro. Antes, submetido à escravidão; depois, ao abandono e a miséria e, hoje, no Brasil republicano, onde todos são iguais perante a lei; ao preconceito e marginalidade, vivendo em condições subumanas, seja nas prisões, seja nas favelas onde predominantemente é maioria incontestável.
Lima Barreto, nas páginas de tão importante obra para compreensão histórica do país, não se furta a relatar as condições em que está vivendo aquela que outrora fora a força motriz da economia brasileira, sujeita aos rudes castigos nos pelourinhos e outras inumanidades que povoavam as senzalas dos senhores de escravos. Também, não se esquiva a mostrar as futilidades que permeiam os discursos dos políticos da época, comprometidos que eram com a as forças ruralistas, como os de agora são com o grande capital e, ao contrário do cria o povo pelas promessas feitas, detinham-se em frivolidades enquanto sorrateiramente forjavam leis que oprimiam e expropriavam trabalhadores honestos.
Visto, sob o olhar de Isaias Caminha e pelas agruras por que passou, o Brasil de hoje trouxe poucas mudanças no sentido de estreitar as diferenças sociais que separam ricos e pobres, brancos e negros, mulheres e homens. Pelo menos nenhuma significativa ainda que pudesse ofertar a seu povo condições dignas de vida. Pois, se o preconceito não alcança, ainda, a raia da intolerância se deve mais ao fato de que brancos e negros, por serem igualmente pobres, foram condenados as mesmas adversidades, habitando favelas insalubres e paupérrimas, do que a uma mudança de postura da sociedade brasileira.
Pelo visto, o Brasil é ainda o mesmo. Pois como dissera Oswald de Andrade, desde o tempo das odiosas Capitanias Hereditárias o Brasil vive em estado Sítio.