domingo, 2 de fevereiro de 2014

CHICO SCIENCE E O MANGUEBEAT: Da Lama ao Caos.

“Computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro”


O movimento de contracultura que misturava ritmos regionais, como o maracatu, com hip hop, funk, música eletrônica e rock, e que ficou conhecido, em meados da década de 1990, como Manguebeat, sob a influência de Francisco de Assis França (Chico Science – 1966 a 1997), morto num acidente viário há 17 anos, se notabilizou não apenas pela sonoridade inovadora, mas, principalmente por ser um movimento de cunho social, pois trazia em suas letras a crítica oportuna ao abandono econômico, social e humano do homem dos manguezais, derrotado pela desigualdade social reinante na cidade do Recife, tal qual se agrava em outras cidades brasileiras o desamparo de categorias de trabalhadores braçais que sobrevivem, por exemplo, da cata e separação do lixo e são qualificadas como substratos sociais.

A porta voz do manifesto Manguebeat, intitulado pelo autor Fred 04 de Caranguejos com cérebro, em 1992, era a banda Chico Science e Nação Zumbi, formada pelo próprio Chico, Fred 04, Renato L e Helder Aragão, cujo objetivo era criar, a partir da metáfora do Homem-Caranguejo, uma cena musical tão diversificada quanto os manguezais, acabando por contaminar outras formas de expressão culturais como o cinema, a moda e as artes plásticas, influenciando, por fim, muitas bandas de Pernambuco e do Brasil.

O Manguebeat conseguiu, ainda, abrir o fechado mercado fonográfico brasileiro, centrado no eixo Rio-São Paulo, para bandas como Mundo Livre S/A, Sheik Tosado, Mestre Ambrósio, DJ Dolores, Faces do Subúrbio, Comadre Fulozinha, Jorge Cabeleira, Eddie, Via Sat e Querosene Jacaré.

Entretanto, o principal componente impulsionador do Movimento Manguebeat não se restringe a novidade musical do Maracatu Atômico, e, sim, pelo resgate importante que se fez das ideias do pensador brasileiro Josué Apolônio de Castro (1908 -1973), mais conhecido por Josué de Castro, médico, nutrólogo, geógrafo e ativista que dedicou sua vida ao combate a Fome no Brasil.

Josué de Castro foi um destacado cientista Político e Social no cenário brasileiro e internacional, não só pelos seus trabalhos ecológicos sobre o problema da fome no mundo, mas também no plano político em vários organismos internacionais, como a presidência do Conselho Executivo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e, principalmente, pelas obras Geografia da Fome, Geopolítica da Fome, Sete Palmos de Terra e um Caixão e Homens e Caranguejos.

Josué de Castro fez um inventário das causas geográficas, culturais, sociais e políticas da avassaladora fome que ceifava, e ainda persiste ceifando, vidas por todo planeta, agravando os problemas de saúde e desenvolvimento anatômico e intelectual de bilhões de pessoas mundo a fora.

E pelas conclusões a que se chega, pela capacidade produtiva da espécie humana, haja vista o desenvolvimento tecnológico e o acúmulo de riqueza pelas grandes economias capitalistas, a questão da fome no mundo encontra suas origens não na incapacidade de provimento de alimentos para todos, mas, indubitavelmente, na decisão política dos doutrinadores do mundo de manter superestimado o preço das Commodities, ainda que pelo sacrifício de multidões de famélicos.

Então, é esse o resgate da música de Science: fazer ecoar o grito dos ofendidos Homens-Caranguejos, chafurdados no caminho tortuoso da lama ao caos, para torná-lo visível a uma sociedade consumista e insensível. Ou seja, o Movimento Manguebeat era, antes de tudo, um movimento sociológico de resgate da dignidade humana.

Por: Adão Lima de Souza

Quem tem ouvidos que ouça:






3 comentários:

  1. Rapaz, eu vim conhecer Josué de Castro um dia desses. Ouvia Chico falar nele, mas, até então, não tinha tido a curiosidade de pesquisar sobre ele. Como diz Science, no documentário "Cidadão do mundo", é uma pena que Josué não seja discutido nas escolas. Enfim, agora resta conhecer a geografia da fome... Quiçá, depois de conhecer a obra de Josué, as músicas do tempo de Chico e, principalmente, as do álbum "Fome de tudo" se aclarem ainda mais.

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