quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Mais náufragos que navegantes


Oh! Águas abissais!
Que exílio refugia-se em tuas profundezas?
Abrigai, por acaso, os ermos navegantes ou os náufragos da rotina?
Vós desvelareis algum dia  vosso latíbulo?
Porque, agora, para além-mar, desejos inconfessos seguem à deriva,
Afugentando do caís os exploradores de mistérios
Que seguiram para o infinito onde rumam teus afluxos.

Adão Lima de Souza
Do Livro A Vela na Demasia de Vento

A poesia


Estranha arte, a poesia!
Desenho do indizível
Numa combinação fonética!
Arquitetura onírica,
Perfeita, patética
De um mundo só e intraduzível
Senão pela palavra tempo.

Adão Lima de Souza

Do Livro A Vela na Demasia de Vento

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

NIETZSCHE: Fábula sobre verdade e mentira.

Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem número de sistemas solares, havia uma vez um astro, em que animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da "história universal": mas também foi somente um minuto.

Passados poucos fôlegos da natureza congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer. Assim poderia alguém inventar uma fábula e nem por isso teria ilustrado suficientemente quão lastimável, quão fantasmagórico e fugaz, quão sem finalidade e gratuito fica o intelecto humano dentro da natureza.

Houve eternidades em que ele não estava; quando de novo ele tiver passado, nada terá acontecido. Pois não há para aquele intelecto nenhuma missão mais vasta, que conduzisse além da vida humana. Ao contrário, ele é humano, e somente seu possuidor e genitor o toma tão pateticamente, como se os gonzos do mundo girassem nele.

Mas se pudéssemos entender-nos com a mosca, perceberíamos então que também ela flutua pelo ar com esse pathos e sente em si o centro voante deste mundo. Não há nada tão desprezível e mesquinho na natureza que, com um pequeno sopro daquela força do conhecimento, não transbordasse logo como um odre; e como todo transportador de carga quer ter seu admirador, mesmo o mais orgulhoso dos homens, o filósofo, pensa ver por todos os lados os olhos do universo telescopicamente em mira sobre seu agir e pensar.