quinta-feira, 26 de março de 2015

Sintonia para pressa e presságio


Escrevia no espaço.
Hoje, grafo no tempo,
na pele, na palma, na pétala,
luz do momento.
Soo na dúvida que separa
o silêncio de quem grita
do escândalo que cala,
no tempo, distância, praça,
que a pausa, asa, leva
para ir do percalço ao espasmo.
Eis a voz, eis o deus, eis a fala,
eis que a luz se acendeu na casa
e não cabe mais na sala.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Literatura: uma folha em branco.

A literatura, que tanto nos encanta com suas páginas preenchidas por letras, é, antes de tudo, uma folha em branco. Os rabiscos traçados, em 180 laudas, parecem-nos poucos para uma leitura de domingo. Conquanto, o exercício da escrita se dá pelo cultivo do deserto como um pomar à avessas - emprestando, à estrofe "Cabraliana", uma interpretação própria. Acaso não fora o escultor quem nos dissera que a escultura está no objeto primitivo, e que lhe cumpre somente retirá-la do seu cerne?

Gabriel García Márquez, e tantos outros, já falaram da angústia frente à folha esbranquiçada. É, contudo, no vazio que a literatura vivifica-se. É no pomar às avessas que, mesmo latente os frutos, entrevê-se maravilhosas maçãs a espera de mãos prontas para colhê-las da fonte.

Então, nada mais destila;
evapora; onde foi maçã
resta uma fome;

Onde foi palavra
(potros ou touros contidos)
resta a severa forma do vazio.

Cultivar, pois, o deserto como um pomar às avessas é prenunciar - e aguardar - a frutificação do estéril. Restará uma fome; sim, uma boca vazia. Para saciá-la, eis que uma maçã. O sumiço da palavra. O surgimento do vazio. Então, do nada, a palavra; o retorno de letras que se aglutinam. A criação advinda do vazio - que agora preenche o papel de conjecturas e de dores próprias e improváveis.


Breno S. Amorim