sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

HENRY MILLER


(...) Sinto o mundo inteiro embaixo de mim, um mundo vacilante e desmoronante, um mundo gasto e polido como o crânio de leproso. Se houvesse um homem que ousasse dizer tudo quanto pensa deste mundo, não lhe restaria um palmo quadrado de terra onde ficar. Quando um homem assim aparece, o mundo cai sobre ele e quebra-lhe a espinha. Restam sempre em pé pilares apodrecidos demais, humanidade supurada demais para que o homem possa florescer.

A superestrutura é uma mentira e o alicerce é um medo enorme e trêmulo. Se com intervalos de séculos aparece um homem de olhar desesperado e faminto, um homem que vira o mundo de cabeça para baixo a fim de criar uma nova raça, o amor que ele traz ao mundo é transformado em fel e ele se torna um flagelo.

Se de vez em quando encontramos páginas que explodem, páginas que ferem e queimam, arrancam gemidos, lágrimas e pragas, sabemos que elas provêm de um homem com as costas na parede, um homem cuja única defesa restante são suas palavras, e suas palavras são sempre mais fortes que o peso mentiroso e esmagador  do mundo, mais fortes que todos os ecúleos e rodas que os covardes inventam para esmagar o milagre da personalidade.


Se algum homem ousasse traduzir tudo quanto há em seu coração, expressar o que é realmente sua experiência, o que é realmente sua verdade, penso que o mundo se despedaçaria, que se reduziria a pedacinhos e nenhum deus, nenhum acidente, nenhuma vontade poderia jamais reunir novamente os pedaços, os átomos, os elementos indestrutíveis que entraram na formação do mundo. (Trópico de Câncer)      

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