Quando eu morrer
Que seja na feira livre!
Para que surja, nos pregões corriqueiros,
Versões contraditórias sobre minha morte.
Contadas no modo rudimentar
Desses singulares capitalistas
Que barbaramente absorvem a vida.
Porque só o povo ridiculariza as verdades!
Quando eu morrer
Quero que seja no cinema!
Para que minha morte confunda os expectadores.
Que ansiosos torcem por um final feliz
Sem saber que a mocinha abandonará o herói
E partirá sorrindo.
Porém, não seja um ardil, como no cinema, minha morte!
Quando eu morrer
Que seja de repente!
Para, num desafio de trovadores,
Improvisando, os cantadores,
Afirmem e neguem minha morte.
E os acordes da viola emudeçam a hipocrisia do choro.
E não seja minha morte só improviso!
Quando eu morrer
Que seja longe de casa!
Para meu corpo demorar a chegar
Impacientando os falsos pregadores
Que lamentam por eu ter partido cedo demais.
Que não tardem a esquecer a minha morte!
Quando eu morrer
Que seja no inverno!
Para o frio obrigar acender fogueira
E se contar anedotas inoportunas a sua volta,
Sob a recriminação dos mais velhos.
Que minha morte logo se transforme em piada!
Quando eu morrer
Que seja à hora do almoço!
Para que a fome confunda os desmaios
Daqueles que se empanturram da ambrosia
Com a qual festejarão minha partida
Em companhia dos presentes que me detestam.
Seja minha morte um regozijo!
Quando eu morrer
Que seja na terça-feira de carnaval!
Para que só se vele
meu corpo na quarta-feira de cinzas
E que não se faça penitência até a sexta-feira santa.
Quando eu morrer
Que toda lembrança de quem fui se dissipe como cinzas
Ou como um sorriso vago e despretensioso!
Adão Lima de Souza
Do Livro: A Vela na Demasia de Vento
Nenhum comentário:
Postar um comentário