domingo, 22 de junho de 2014

Quando eu morrer


Quando eu morrer
Que seja na feira livre!
Para que surja, nos pregões corriqueiros,
Versões contraditórias sobre minha morte.
Contadas no modo rudimentar
Desses singulares capitalistas
Que barbaramente absorvem a vida.

Porque só o povo ridiculariza as verdades!

Quando eu morrer
Quero que seja no cinema!
Para que minha morte confunda os expectadores.
Que ansiosos torcem por um final feliz
Sem saber que a mocinha abandonará o herói
E partirá sorrindo.

Porém, não seja um ardil, como no cinema, minha morte!

Quando eu morrer
Que seja de repente!
Para, num desafio de trovadores,
Improvisando, os cantadores,
Afirmem e neguem minha morte.
E os acordes da viola emudeçam a hipocrisia do choro.

E não seja minha morte só improviso!

Quando eu morrer
Que seja longe de casa!
Para meu corpo demorar a chegar
Impacientando os falsos pregadores
Que lamentam por eu ter partido cedo demais.

Que não tardem a esquecer a minha morte!

Quando eu morrer
Que seja no inverno!
Para o frio obrigar acender fogueira
E se contar anedotas inoportunas a sua volta,
Sob a recriminação dos mais velhos.

Que minha morte logo se transforme em piada!

Quando eu morrer
Que seja à hora do almoço!
Para que a fome confunda os desmaios
Daqueles que se empanturram da ambrosia
Com a qual festejarão minha partida
Em companhia dos presentes que me detestam.

Seja minha morte um regozijo!

Quando eu morrer
Que seja na terça-feira de carnaval!
Para que só se vele meu corpo na quarta-feira de cinzas
E que não se faça penitência até a sexta-feira santa.

Quando eu morrer
Que toda lembrança de quem fui se dissipe como cinzas
Ou como um sorriso vago e despretensioso!

Adão Lima de Souza
Do Livro: A Vela na Demasia de Vento

Nenhum comentário:

Postar um comentário