sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Trecho do conto: O que dizem as máquinas

O carvão em brasas crepita no forno; ferve borbulhante a água na caldeira; o pistão comprime o vapor; o pistão empurra a manivela; a manivela movimenta o eixo, faz girar o poderoso volante, e, enquanto a máquina ruge como um cansado monstro, a correia sem fim põe em movimento outros eixos e outras roda, outras correias e outras máquinas. A indústria marcha, a produção aumenta, o operário trabalha.
Como é belo o poder da inteligência humana! À sua invocação o movimento se multiplica e surgem o calor e a luz.
Mas ai!, a máquina ainda pode dizer ao operário:
– Não te orgulhes. Em nada te diferencias de mim. Instrumento de trabalho como eu, teu estômago, assim como eu forno recebe o carvão indispensável, só recebe o alimento estritamente suficiente para que continues a desempenhar tua função mecânica. Sou um instrumento mais valorizado que tu, porque és mais abundante e custas menos. Quando me desgasto, me substituem; quando te desgastas, te abandonam.

É a mesma coisa; não a mesma coisa, pior; porque tua única vantagem, tua inteligência, converte-se então em desvantagem; a consciência de teu valor passado será teu tormento. Tu como eu, produzes, produzes, como eu, para os outros, e não para ti. Juntos construímos fortunas que te pertencem e que jamais desfrutas. Operário: apodera-te de mim; arranca-me  do braços do velho capital; teu matrimônio comigo é tua única salvação. Deixe de ser instrumento para que o instrumento te pertença. Te quero amo, senhor, não companheiro. O capital  me explora, só tu me fecundas. Só ti quero pertencer. 

Contos Anarquistas. Diversos Autores. Organizado por: Arnoni Prado, Foot Hardman e Claudia Leal.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

JOSÉ CARLOS LIBÂNEO: A Pedagogia Libertária


Esta tendência tem por influência os estudos de crítica das instituições em favor de um projeto autogestionário, desenvolvidos por Maurício Tragtenberg (1929-1998) mesmo não sendo um trabalho voltado diretamente à pedagogia. Contudo, ao propor um processo essencialmente de autogestão das instituições, busca superar os vários limites da burocracia institucional e, na maioria das vezes, também pedagógica. Temos como representantes dessa tendência alguns teóricos conhecidos, como: Freinet, Vasquez, Oury, Ferrer e Guardia, entre outros.
Como princípios fundamentais da Pedagogia Libertária, podemos destacar a preocupação em transformar a personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário. A educação, por meio da escola, deve estar baseada na participação grupal, favorecendo os processos de distribuição do poder, via assembleias, reuniões, conselhos, eleições, entre outros mecanismos antiautoritários. Este procedimento tem por intenção garantir a participação de todos os agentes, envolvidos no processo educativo, buscando estimular à autonomia dos alunos a solidariedade.
As ações pedagógicas devem partir do princípio do não controle, isto é, os alunos não são obrigados a participar de nenhuma atividade que não queiram, contudo, é função do grupo e do professor compreender porque este aluno não quer estar incluído. O poder do professor, de forma alguma, deve ser referência nas ações pedagógicas, pois o professor deve ser um orientador, um catalisador, um membro a mais do grupo escolar, estimulando os processos de reflexão e aprendizado.
São os alunos que definem o que se deve estudar, sem necessariamente haver um rol de disciplinas e conteúdos predefinidos. O conhecimento é construído na fusão dos trabalhos intelectual e manual, buscando sempre uma resposta às necessidades e às exigências das questões vinculadas à vida de cada um, em seus aspectos sociais, políticos, econômicos, culturais, entre outros.

“Método de ensino da Pedagogia Libertária: é na vivência grupal, na forma de autogestão, que os alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias de sua própria 'instituição', graças à sua própria iniciativa e sem qualquer forma de poder. Trata-se de 'colocar nas mãos dos alunos tudo o que for possível: o conjunto da vida, as atividades e a organização do trabalho no interior da escola (menos a elaboração dos programas e decisão dos exames que não dependem nem dos docentes, nem dos alunos)'. Os alunos têm liberdade de trabalhar ou não, ficando o interesse pedagógico na dependência de suas necessidades ou das do grupo.
O progresso da autonomia, excluída qualquer direção de fora do grupo, dá-se num 'crescendo': primeiramente oportunidade de contatos, aberturas, relações informais entre os alunos. Em seguida, o grupo começa a organizar-se, de modo a que todos possam participar de discussões, cooperativas, assembleias, isto é, diversas formas de participação e expressão pela palavra; quem quiser fazer outra coisa, ou entra em acordo com o grupo, ou se retira. No terceiro momento, o grupo organiza-se de forma mais efetiva e, finalmente, no quarto momento, parte para a execução do trabalho.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

O ANARQUISTA ALENTEJANO ARTUR MODESTO

Artur dos Santos Modesto nasceu em Beja a 27 de Maio de 1897 e morreu em Lisboa a 3 de Abril de 1985. Foi um dos anarquistas da velha guarda que passou o testemunho aos mais novos, já no pós 25 de Abril, fazendo parte do colectivo que voltou a publicar o jornal “A Batalha” e criou o Centro de Estudos Libertários.
Artur Modesto tinha apenas a 2ª classe, mas foi um verdadeiro autodidata, no mais genuíno espírito libertário, mantendo conversas apaixonadas e profundas sobre os mais variados temas, chegando a desempenhar funções de “secretário” junto de António Sérgio, o “pai” do cooperativismo português.
Filho de um sapateiro e de uma ajuntadeira, seguiu também a profissão de sapateiro que começou por exercer em Beja. Filiou-se como membro do Sindicato dos Sapateiros de Beja, aos 15 anos, em 1912 e foi militante ativo das Juventudes Sindicalistas. Veio para Lisboa em 1928, já depois do golpe fascista de 28 de Maio de 1926 e numa altura em que as Juventudes Sindicalistas e a CGT eram alvo de grande repressão. Participou na Conferência Libertária em Belém em 1932. Ativista da Federação Portuguesa de Solidariedade, do Núcleo Cultural “Ferreira de Castro” e do Sporting Club do Rio Seco, foi também membro do Grupo Anarquista “Fanal”, no pós-25-4-1974, federado da FARP-FAI.
Artur Modesto, com quem convivi já na década de 70 contou-me um aspecto que não pude ainda confirmar: que o Despertar Sporting Clube de Beja, ainda hoje existente, foi fundado por membros da Juventude Sindicalista bejense que deram ao nóvel clube o nome do jornal que a organização anarco-sindicalista então editava: O Despertar. Fundado em 1920, o Despertar foi sempre considerado em Beja como um clube das camadas populares e, segundo Artur Modesto, muitos jovens depois do golpe de 28 de Maio e do ataque cerrado ao movimento libertário, com o encerramento das suas sedes e a prisão dos militantes mais conhecidos, usaram o clube para reuniões e algumas atividades de carácter sindical. Uma memória que foi esmorecendo no tempo, mas da qual ainda devem existir registos.
Poeta de raiz popular tem dois livros editados pela Editora Sementeira, Lisboa – “Páginas do Meu Caderno”, Dezembro-1978  e “Alfarrábio Poético” (em conjunto com os militantes Francisco Quintal e José Francisco), Janeiro-1984.

domingo, 12 de novembro de 2017

Acracia



Nas águas daquela fonte
Lavei
Minha alma juvenil,
Que já não volta.
Águas inquinadas
Recusei…
Por não serem as águas
Cristalinas
Daquela fonte
Que abracei!

sábado, 11 de novembro de 2017

ARTUR MODESTO: A luta em marcha


Não há cutelo que corte
Folhas à nova semente
Já que a acha do mais forte
Vai ruindo lentamente.
Soam os gritos de guerra
Do servo, branco ou preto,
Que bradam por toda a terra
O seu direito de veto.
O povo trabalhador
Não aceita a opressão
Marcha contra o opressor
Aos gritos de revolução.
A mulher escravizada
No mesmo pé de igualdade
Ergue na santa cruzada
O pendão da liberdade
Cavaleiros do futuro
Em destemidos corcéis
Vão desbravando o monturo
Desses destinos cruéis.
Destruir p’ra construir
É sua nobre missão
Como forças do porvir
Na guerra da redenção.
O estado e as camarilhas
Hão-de rolar pela terra
À luz de novas cartilhas
A razão da nossa guerra.
Pão, justiça, igualdade!
Jamais a lei do mais forte!
Pelo sol da liberdade
Contra o reinado da morte!

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Anarquize-se!


Anarquismo significa que você deveria ser livre; que ninguém deveria te escravizar, te chefiar, te roubar, ou se impor sobre você. Significa que você deveria ser livre para fazer as coisas que deseja fazer; e que não deveria ser forçado a fazer o que não deseja. (…) Assim, não mais haveria guerra, nem violência empregada por alguns homens contra outros, não haveria monopólio nem pobreza, não haveria opressão e ninguém tentaria tirar vantagem de seus semelhantes. Para resumir, Anarquismo significa uma condição ou sociedade onde todos os homens e mulheres são livres, e onde todos aproveitam igualmente os benefícios de uma vida sensível e ordenada.”

Alexander Berkman, “A anarquia é possível?”, em ABC do Anarquismo (1927)

domingo, 28 de maio de 2017

AUGUSTO DOS ANJOS - Poeta universal.

Psicologia de um Vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco, 
Monstro de escuridão e rutilância, 
Sofro, desde a epigênese da infância, 
A influência má dos signos do zodíaco. 

Produndissimamente hipocondríaco, 
Este ambiente me causa repugnância... 
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia 
Que se escapa da boca de um cardíaco.  

Já o verme -- este operário das ruínas -- 
Que o sangue podre das carnificinas 
Come, e à vida em geral declara guerra,  

Anda a espreitar meus olhos para roê-los, 
E há de deixar-me apenas os cabelos, 
Na frialdade inorgânica da terra!


Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável 
Enterro de sua última quimera. 
Somente a Ingratidão – esta pantera – 
Foi tua companheira inseparável!

 
Acostuma-te à lama que te espera! 
O homem, que, nesta terra miserável, 
Mora, entre feras, sente inevitável 
Necessidade de também ser fera.  


Toma um fósforo. Acende teu cigarro! 
O beijo, amigo, é a véspera do escarro, 
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

  
Se alguém causa inda pena a tua chaga, 

Apedreja essa mão vil que te afaga, 
Escarra nessa boca que te beija!