A literatura, que tanto nos encanta com suas páginas
preenchidas por letras, é, antes de tudo, uma folha em branco. Os rabiscos
traçados, em 180 laudas, parecem-nos poucos para uma leitura de domingo.
Conquanto, o exercício da escrita se dá pelo cultivo do deserto como um pomar à
avessas - emprestando, à estrofe "Cabraliana", uma interpretação
própria. Acaso não fora o escultor quem nos dissera que a escultura está no
objeto primitivo, e que lhe cumpre somente retirá-la do seu cerne?
Gabriel García Márquez, e tantos outros, já falaram da
angústia frente à folha esbranquiçada. É, contudo, no vazio que a literatura
vivifica-se. É no pomar às avessas que, mesmo latente os frutos, entrevê-se
maravilhosas maçãs a espera de mãos prontas para colhê-las da fonte.
Então,
nada mais destila;
evapora;
onde foi maçã
resta
uma fome;
Onde
foi palavra
(potros
ou touros contidos)
resta
a severa forma do vazio.
Cultivar, pois, o deserto como um pomar às avessas é
prenunciar - e aguardar - a frutificação do estéril. Restará uma fome; sim, uma
boca vazia. Para saciá-la, eis que uma maçã. O sumiço da palavra. O surgimento
do vazio. Então, do nada, a palavra; o retorno de letras que se aglutinam. A
criação advinda do vazio - que agora preenche o papel de conjecturas e de dores
próprias e improváveis.
Breno S. Amorim
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